terça-feira, 11 de novembro de 2014

Resumo do livro "Outsiders", de Howard S. Becker


Grupos sociais criam regras a respeito do que seja certo e errado, e tentam impô-las. As vezes estas regras são normas formais impostas pelo Estado; às vezes são tradições informalmente impostas pela sociedade. Quem desvia dessas regras é considerado um outsider.
Diferentes grupos têm diferentes conceitos de “desviante”. Para a concepção estatística, desvio é o que difere do comum. Para a analogia médica, a sociedade é um organismo com partes funcionais e partes disfuncionais. Na concepção sociológica, desvio é infração à regra geralmente aceita.
A questão é que existe normalmente uma situação ambígua, na qual o indivíduo, ao observar a regra de um grupo, está quebrando a regra de outro.
A categoria de desviantes não é homogênea, existindo pessoas rotuladas que nunca infringiram regras, e pessoas que infringiram regras e nunca foram rotuladas. O desvio não é uma qualidade do ato, mas uma consequência da reação dos outros. Depende da natureza do ato e da reação alheia. Se os outros não reagem/ficam sabendo, não é punição e rotulação. A reação também varia conforme o indivíduo em questão (se é branco, negro, rico ou pobre, tem tratamentos diferentes).
Os detentores de poder político e econômico são os criadores das regras.  Grupos cuja posição social lhe dá armas e poder são mais capazes de impor suas regras. Estas regras são impostas muitas vezes às pessoas que não pertencem àquele grupo e àquela lógica, e que não concordam com as normas.
TIPOS DE DESVIO

Comportamento apropriado
Comportamento infrator
Percebido como desviante
Falsamente acusado
Desviante puro
Não percebido como desviante
Apropriado
Desviante secreto

Modelo sequencial de desvio: é aquele que compreende que, para se chegar a uma conduta desviante, é necessário que se dê uma série de passos. Dentro deste modelo há a concepção de carreira.
Existem pessoas que tem comportamentos desviantes intencionalmente, e outras que estão tão submersas em sus subculturas que o fazem não-intencionalmente (não sabia que era inapropriado). A diferença entre o desviante e o não desviante não reside na motivação. A maioria das pessoas tem impulsos desviantes, porém algumas resistem e outras não. Aqueles que resistem pensam nas consequências, e em todo o esforço já empregado em ser “normal”. Os que não resistem não têm  compromissos convencionais (ter uma família, emprego estável, reputação) ou usam as técnicas de neutralização  de Sykes e Matza.
Muitas atividades desviantes vêm de motivos socialmente aprendidos. Ser pego praticando essas atividades tem a consequência da rotulação e da mudança da identidade pública, e a opinião alheia acaba moldando o rotulado. O tratamento dado ao desviante toma a opinião pública como certa, a sociedade exclui o desviante, e ele é empurrado à clandestinidade e prática de desvio maior.
A posse de um traço desviante faz as pessoas presumirem outras características associadas (presumir que o ladrão é negro, pobre, favelado, etc.). Há também status que se sobrepõem a outros, sendo o desvio um deles. Há casos em que o indivíduo deixa de praticar a conduta, mas ainda assim recebe o mesmo rótulo. O pertencimento a grupo de desviantes solidifica o rótulo. O grupo desviante racionaliza a conduta e justifica-la.
Os motivos desviantes não levam ao desvio; o desvio é que produz a motivação.
USUÁRIOS DE MACONHA
Aprender a técnica para produção de efeitos (observando o grupo) >> aprender a perceber os efeitos (e liga-los à conduta, diferenciando do estado normal) >> aprender a gostar dos efeitos (redefinir efeitos ambíguos como agradáveis, por meio de interação com mais experientes). Só após atravessar estas experiências o indivíduo pode desenvolver uma motivação. Desenvolvendo esta motivação, o indivíduo se defrontará com formas formais e informais de controle social, que dificultarão a prática daquela conduta (no caso do uso de maconha: limitação do fornecimento, sigilo imposto pelo medo da reprovação e punições, valores morais de outsiders contra os quais surgem justificativas e racionalizações).
MÚSICOS
As culturas e subculturas se caracterizam por serem formadas por pessoas que têm entendimentos e perspectivas em comum. As subculturas são aquelas que operam dentro de uma sociedade mais ampla. Na subcultura dos músicos, existem aqueles que buscam o sucesso convencional (se tornando comerciais) e os que se atêm aos seus padrões artísticos (mantendo o respeito dos demais músicos). Existe também o paradoxo entre tocar o que quer e se sustentar. É a necessidade do dinheiro que faz o músico ceder.
O músico vê a si e aos seus colegas como pessoas com um dom especial que as torna diferentes de não-músicos (quadrados) e que não estão sujeitas ao seu controle social. O quadrado é o intolerante e ignorante que tem condições de impor a sua vontade. A quadradice está em todos os aspectos do quadrado; o avanço e a excentricidade está em todos os aspectos do músico. O quadrado são todos aqueles que não são músicos e que sabem menos.
A hostilidade em relação aos quadrados, o horário diferenciado de trabalho e a linguagem diferenciada acabam levando à auto-segregação.
As panelinhas facilitam o acesso de músicos comerciais aos empregos, por meio das indicações mútuas e assunção da responsabilidade pela qualidade do músico indicado. A família é uma instituição que pressiona o músico ao comportamento convencional, ou faz com que ele seja comercial para prover.
Interesse pessoal, iniciativa e publicidade influenciam da imposição de regras. Nas cidades grandes há a chamada “reserva”, sentimento que as pessoas têm de que “isto não é problema delas”, ao menos que sejam afetadas. A imposição fica a cargo das autoridades. Podem ocorrer de as regras não serem impostas pois os grupos se beneficiam de ignorar as infrações. Se a conciliação entre os interesses do grupo falha, alguém toma a iniciativa de denunciar o desvio. Neste caso, o acesso aos canais de publicidade vai ser fator importante para o impacto da denúncia.
ESTÁGIOS DE IMPOSIÇÃO DE REGRAS
Primeiramente surgem os valores, que são genéricos demais para serem usados como guia de ação. Deles são deduzidos regras específicas. Mais de uma regra pode se adequar ao mesmo valor. Algumas regras não surgem visando atender ao valor, mas sim à necessidade técnica de regular instituições. Por fim as regras são aplicadas, de forma seletiva, ao caso concreto.
Os valores por trás da proibição das drogas são o auto-controle e combate ao prazer ilícito. Nos Estados Unidos, em nome desses valores a Agência americana de narcóticos criou um clima favorável por meio da imprensa, causando preocupação popular. Em reação a esta preocupação, causada pela própria agência, ela mesma cuidou de legislar a respeito da restrição da planta que origina a maconha. Vários setores de produção foram afetados e barganhas políticas levaram às concessões. Por fim foi imposta a lei sem oposição, dado que os usuários não estavam organizados para contra-atacar.
CRIADORES DE REGRAS
Os cruzados morais impõem sua moral aos outros. Muitos têm motivações humanitárias e desejam ajudar, embora as vezes não saibam se a pessoa ajudada concorda com os meios de ajuda. Também há a questão da busca de apoio de pessoas com conhecimento técnico, como psiquiatras e juristas, que ficam encarregados da elaboração das leis e podem influenciá-las conforme interesse próprio. Uma cruzada bem sucedida acaba com a criação de regras e mecanismos adequados de imposição, bem como o surgimento de outsiders. Com seu término, seu criador vai buscar outros problemas a enunciar. Uma cruzada mal sucedida acaba com pessoas ressentidas, que esquecem da causa e se ocupam com a manutenção da luta, ou que se tornam elas mesmas outsiders.
IMPOSITORES DE REGRAS
São os policiais, que não se preocupam com o conteúdo da regra, mas com a existência de uma que justifique seu emprego. As agências oscilam entre alegações de que o problema “está sendo enfrentado adequadamente”, e o problema “está crescendo, mas não por culpa da agência”. O impositor rotulará a pessoa de desviante se: sentir que precisa dar uma demonstração de trabalho para justificar sua posição; o infrator não mostrar o devido respeito ao impositor; se o intermediário não entrar em ação; e se o ato estiver na lista de prioridades do impositor, que não pode abranger todas as infrações ao mesmo tempo.
O problema da análise destes problemas é o distanciamento causado pela falta de artigos e estudos. Isso se dá porque os artigos e estudos requerem aproximação de grupos que, por serem outsiders, se escondem e não dão confiança. Ademais, para entender este grupo, é necessário adotar a lógica dele. Ao fim, a pesquisa será tachada de tendenciosa. Qualquer que seja o grupo escolhido para se estudar (os impositores ou os outsiders), não se pode enxergar as pessoas como vilãos e heróis. Deve-se entender a situação como algo valorado diferentemente por diferentes pessoas.
A TEORIA DA ROTULAÇÃO RECONSIDERADA
As pessoas agem de forma coletiva, observando o que os outros fazem. O desvio também se dá de forma coletiva, de modo que de nada serve analisar o estado psicológico de desvios isoladamente.  Também é importante estudar as condutas separando-as da valoração (“desvio”) atribuída a elas, afinal um ato será diferentemente valorado conforme o grupo que o analisa.
As pessoas que cometem desvios têm as mesmas motivações daqueles que praticam atos comuns. É importante observar ações e reações e tirar conclusões de forma empírica, ao invés de se basear em registros oficiais, que também resultam de ações coletivas.

A abordagem interacionista também questiona o monopólio da verdade que as pessoas de poder têm, sugere que procuremos a verdade nós mesmos, e faz com que questionemos definições (de conduta “desviante” ou conduta “normal”) dadas por estas autoridades. As autoridades atacam os cientistas adeptos desta abordagem, acusando-os de ignorar os valores morais e serem tendenciosos.

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