
Grupos sociais criam regras a
respeito do que seja certo e errado, e tentam impô-las. As vezes estas regras
são normas formais impostas pelo Estado; às vezes são tradições informalmente
impostas pela sociedade. Quem desvia dessas regras é considerado um outsider.
Diferentes grupos têm diferentes
conceitos de “desviante”. Para a concepção estatística, desvio é o que difere
do comum. Para a analogia médica, a sociedade é um organismo com partes
funcionais e partes disfuncionais. Na concepção sociológica, desvio é infração
à regra geralmente aceita.
A questão é que existe
normalmente uma situação ambígua, na qual o indivíduo, ao observar a regra de
um grupo, está quebrando a regra de outro.
A categoria de desviantes não é
homogênea, existindo pessoas rotuladas que nunca infringiram regras, e pessoas
que infringiram regras e nunca foram rotuladas. O desvio não é uma qualidade do
ato, mas uma consequência da reação dos outros. Depende da natureza do ato e da
reação alheia. Se os outros não reagem/ficam sabendo, não é punição e
rotulação. A reação também varia conforme o indivíduo em questão (se é branco,
negro, rico ou pobre, tem tratamentos diferentes).
Os detentores de poder político e
econômico são os criadores das regras.
Grupos cuja posição social lhe dá armas e poder são mais capazes de
impor suas regras. Estas regras são impostas muitas vezes às pessoas que não
pertencem àquele grupo e àquela lógica, e que não concordam com as normas.
TIPOS DE DESVIO
Comportamento
apropriado
|
Comportamento
infrator
|
|
Percebido
como desviante
|
Falsamente
acusado
|
Desviante
puro
|
Não
percebido como desviante
|
Apropriado
|
Desviante
secreto
|
Modelo sequencial de desvio: é
aquele que compreende que, para se chegar a uma conduta desviante, é necessário
que se dê uma série de passos. Dentro deste modelo há a concepção de carreira.
Existem pessoas que tem
comportamentos desviantes intencionalmente, e outras que estão tão submersas em
sus subculturas que o fazem não-intencionalmente (não sabia que era
inapropriado). A diferença entre o desviante e o não desviante não reside na
motivação. A maioria das pessoas tem impulsos desviantes, porém algumas
resistem e outras não. Aqueles que resistem pensam nas consequências, e em todo
o esforço já empregado em ser “normal”. Os que não resistem não têm compromissos convencionais (ter uma família,
emprego estável, reputação) ou usam as técnicas de neutralização de Sykes e Matza.
Muitas atividades desviantes vêm
de motivos socialmente aprendidos. Ser pego praticando essas atividades tem a
consequência da rotulação e da mudança da identidade pública, e a opinião
alheia acaba moldando o rotulado. O tratamento dado ao desviante toma a opinião
pública como certa, a sociedade exclui o desviante, e ele é empurrado à
clandestinidade e prática de desvio maior.
A posse de um traço desviante faz
as pessoas presumirem outras características associadas (presumir que o ladrão
é negro, pobre, favelado, etc.). Há também status que se sobrepõem a outros,
sendo o desvio um deles. Há casos em que o indivíduo deixa de praticar a
conduta, mas ainda assim recebe o mesmo rótulo. O pertencimento a grupo de
desviantes solidifica o rótulo. O grupo desviante racionaliza a conduta e
justifica-la.
Os motivos desviantes não levam
ao desvio; o desvio é que produz a motivação.
USUÁRIOS DE MACONHA
Aprender
a técnica para produção de
efeitos (observando o grupo) >> aprender
a perceber os efeitos (e liga-los à conduta, diferenciando do estado
normal) >> aprender a gostar dos
efeitos (redefinir efeitos ambíguos como agradáveis, por meio de interação
com mais experientes). Só após atravessar estas experiências o indivíduo pode
desenvolver uma motivação. Desenvolvendo esta motivação, o indivíduo se
defrontará com formas formais e informais de controle social, que dificultarão
a prática daquela conduta (no caso do uso de maconha: limitação do
fornecimento, sigilo imposto pelo medo da reprovação e punições, valores morais
de outsiders contra os quais surgem justificativas e racionalizações).
MÚSICOS
As culturas e subculturas se
caracterizam por serem formadas por pessoas que têm entendimentos e
perspectivas em comum. As subculturas são aquelas que operam dentro de uma
sociedade mais ampla. Na subcultura dos músicos, existem aqueles que buscam o
sucesso convencional (se tornando comerciais) e os que se atêm aos seus padrões
artísticos (mantendo o respeito dos demais músicos). Existe também o paradoxo
entre tocar o que quer e se sustentar. É a necessidade do dinheiro que faz o
músico ceder.
O músico vê a si e aos seus
colegas como pessoas com um dom especial que as torna diferentes de não-músicos
(quadrados) e que não estão sujeitas ao seu controle social. O quadrado é o
intolerante e ignorante que tem condições de impor a sua vontade. A quadradice
está em todos os aspectos do quadrado; o avanço e a excentricidade está em
todos os aspectos do músico. O quadrado são todos aqueles que não são músicos e
que sabem menos.
A hostilidade em relação aos
quadrados, o horário diferenciado de trabalho e a linguagem diferenciada acabam
levando à auto-segregação.
As panelinhas facilitam o acesso
de músicos comerciais aos empregos, por meio das indicações mútuas e assunção
da responsabilidade pela qualidade do músico indicado. A família é uma
instituição que pressiona o músico ao comportamento convencional, ou faz com
que ele seja comercial para prover.
Interesse pessoal, iniciativa e
publicidade influenciam da imposição de regras. Nas cidades grandes há a
chamada “reserva”, sentimento que as pessoas têm de que “isto não é problema
delas”, ao menos que sejam afetadas. A imposição fica a cargo das autoridades.
Podem ocorrer de as regras não serem impostas pois os grupos se beneficiam de
ignorar as infrações. Se a conciliação entre os interesses do grupo falha,
alguém toma a iniciativa de denunciar o desvio. Neste caso, o acesso aos canais
de publicidade vai ser fator importante para o impacto da denúncia.
ESTÁGIOS DE IMPOSIÇÃO DE REGRAS
Primeiramente surgem os valores,
que são genéricos demais para serem usados como guia de ação. Deles são deduzidos
regras específicas. Mais de uma regra pode se adequar ao mesmo valor. Algumas
regras não surgem visando atender ao valor, mas sim à necessidade técnica de
regular instituições. Por fim as regras são aplicadas, de forma seletiva, ao
caso concreto.
Os valores por trás da proibição
das drogas são o auto-controle e combate ao prazer ilícito. Nos Estados Unidos,
em nome desses valores a Agência americana de narcóticos criou um clima
favorável por meio da imprensa, causando preocupação popular. Em reação a esta
preocupação, causada pela própria agência, ela mesma cuidou de legislar a
respeito da restrição da planta que origina a maconha. Vários setores de
produção foram afetados e barganhas políticas levaram às concessões. Por fim
foi imposta a lei sem oposição, dado que os usuários não estavam organizados
para contra-atacar.
CRIADORES DE REGRAS
Os cruzados morais impõem sua
moral aos outros. Muitos têm motivações humanitárias e desejam ajudar, embora
as vezes não saibam se a pessoa ajudada concorda com os meios de ajuda. Também
há a questão da busca de apoio de pessoas com conhecimento técnico, como
psiquiatras e juristas, que ficam encarregados da elaboração das leis e podem
influenciá-las conforme interesse próprio. Uma cruzada bem sucedida acaba com a
criação de regras e mecanismos adequados de imposição, bem como o surgimento de
outsiders. Com seu término, seu criador vai buscar outros problemas a enunciar.
Uma cruzada mal sucedida acaba com pessoas ressentidas, que esquecem da causa e
se ocupam com a manutenção da luta, ou que se tornam elas mesmas outsiders.
IMPOSITORES DE REGRAS
São os policiais, que não se
preocupam com o conteúdo da regra, mas com a existência de uma que justifique
seu emprego. As agências oscilam entre alegações de que o problema “está sendo
enfrentado adequadamente”, e o problema “está crescendo, mas não por culpa da
agência”. O impositor rotulará a pessoa de desviante se: sentir que precisa dar
uma demonstração de trabalho para justificar sua posição; o infrator não
mostrar o devido respeito ao impositor; se o intermediário não entrar em ação;
e se o ato estiver na lista de prioridades do impositor, que não pode abranger
todas as infrações ao mesmo tempo.
O problema da análise destes
problemas é o distanciamento causado pela falta de artigos e estudos. Isso se
dá porque os artigos e estudos requerem aproximação de grupos que, por serem
outsiders, se escondem e não dão confiança. Ademais, para entender este grupo,
é necessário adotar a lógica dele. Ao fim, a pesquisa será tachada de tendenciosa.
Qualquer que seja o grupo escolhido para se estudar (os impositores ou os
outsiders), não se pode enxergar as pessoas como vilãos e heróis. Deve-se
entender a situação como algo valorado diferentemente por diferentes pessoas.
A TEORIA DA ROTULAÇÃO RECONSIDERADA
As pessoas agem de forma
coletiva, observando o que os outros fazem. O desvio também se dá de forma
coletiva, de modo que de nada serve analisar o estado psicológico de desvios
isoladamente. Também é importante
estudar as condutas separando-as da valoração (“desvio”) atribuída a elas,
afinal um ato será diferentemente valorado conforme o grupo que o analisa.
As pessoas que cometem desvios
têm as mesmas motivações daqueles que praticam atos comuns. É importante
observar ações e reações e tirar conclusões de forma empírica, ao invés de se
basear em registros oficiais, que também resultam de ações coletivas.
A abordagem interacionista também
questiona o monopólio da verdade que as pessoas de poder têm, sugere que
procuremos a verdade nós mesmos, e faz com que questionemos definições (de
conduta “desviante” ou conduta “normal”) dadas por estas autoridades. As
autoridades atacam os cientistas adeptos desta abordagem, acusando-os de
ignorar os valores morais e serem tendenciosos.
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