Trabalho
O "progresso" não
representa qualquer qualidade da história, mas a auto confiança do presente. Quanto menor é a firmeza no presente, tanto
menos o "futuro" pode ser integrado no projeto. Lapsos de tempo
rotulados de "futuro" encurtam, e a duração da vida como um todo é
fatiada em episódios considerados "um de cada vez”. A continuidade não é
mais marca de aperfeiçoamento.
A nossa experiência é
semelhante à dos passageiros que descobrem, bem alto no céu, que a cabine do
piloto está vazia. O centro de controle tornou-se oculto: nunca mais será
ocupado por um líder conhecido ou por uma ideologia clara.
Quaisquer que tenham sido as
virtudes que fizeram o trabalho ser elevado ao posto de principal valor dos
tempos modernos, sua maravilhosa, quase mágica, capacidade de dar forma ao
informe e duração ao transitório certamente está entre elas. O
"trabalho" assim definido era um esforço coletivo de que cada membro
da espécie humana tinha que participar. Atualmente, atos de trabalho se parecem
mais com as estratégias de um jogador que se põe modestos objetivos de curto prazo,
não antecipando mais que um ou dois movimentos. A pessoa é medida e avaliada
por sua capacidade de entreter e alegrar, satisfazendo não tanto a vocação
ética do produtor e criador quanto as necessidades e desejos estéticos do
consumidor, que procura sensações e coleciona experiências.
A separação das atividades
produtivas do resto dos objetivos da vida permitiu que o "esforço físico e
mental" se condensasse num fenômeno em si mesmo - uma "coisa" a
ser tratada como todas as coisas, isto é, a ser "manipulada' movida,
reunida a outras "coisas" ou feita em pedaços.
A incerteza do presente é uma
poderosa força individualizadora. Ela divide em vez de unir, e como não há
maneira de dizer quem acordará no próximo dia em qual divisão, a ideia de
"interesse comum" fica cada vez mais nebulosa e perde todo valor
prático. O capital se tornou exterritorial, leve, desembaraçado e solto numa
medida sem precedentes, e seu nível de mobilidade espacial é na maioria dos
casos suficiente para chantagear as agências políticas dependentes de
território e fazê-las se submeterem a suas demandas. A ameaça (mesmo quando não
expressa e meramente adivinhada) de cortar os laços locais e mudar-se para
outro lugar é uma coisa que qualquer governo responsável, em beneficio próprio
e no de seus concidadãos, deve tratar com a maior seriedade, tentando
subordinar suas políticas ao propósito supremo de evitar a ameaça do
desinvestimento. Paradoxalmente, os governos podem ter a esperança de manter o
capital em seu lugar apenas se o convencerem de que ele está livre para ir
embora - com ou sem aviso prévio.
Acesso à "informação"
(em sua maioria eletrônica) se tornou o direito humano mais zelosamente
defendido e o aumento do bem-estar da população como um todo é hoje medido,
entre outras coisas, pelo número de domicílios equipados com (invadidos por?)
aparelhos de televisão.
A procrastinação como prática
cultural surgiu com a modernidade. A procrastinação deriva seu sentido moderno
do tempo vivido como uma peregrinação, como um movimento que se aproxima de um
objetivo. A procrastinação tende a tornar-se seu próprio objetivo. A coisa mais
importante deixada de lado no ato da procrastinação tende a ser o fim da
própria procrastinação. O adiamento da satisfação mantém o produtor a serviço
do consumidor - mantendo o consumidor que vive no produtor plenamente acordado
e de olhos bem abertos. Contudo, muito
mais efêmero e frágil que o trabalho, e, ao contrário do trabalho, não
reforçado por rotinas institucionalizadas, o desejo não tem chance de sobreviver
se a satisfação for deixada para as calendas gregas. Para se manter vivo e
fresco, o desejo deve ser, algumas vezes, e frequentemente, satisfeito ainda
que a satisfação signifique o fim do desejo.
A cultura em guerra com a
procrastinação é uma novidade na história moderna. Ela não tem lugar para tomar
distância, nem para reflexão, continuidade, tradição.
Precariedade, instabilidade,
vulnerabilidade, é a característica mais difundida das condições de vida
contemporâneas. O desemprego nos países prósperos tornou-se
"estrutural". E o progresso
tecnológico - de fato, o próprio esforço de racionalização - tende a anunciar
cada vez menos, e não mais, empregos. Na falta de segurança de longo prazo, a
"satisfação instantânea" parece uma estratégia razoável. As modas vêm
e vão com velocidade estonteante, todos os objetos de desejo se tornam
obsoletos, repugnantes e de mau-gosto antes que tenhamos tempo de
aproveitá-los. Condições econômicas e sociais precárias treinam homens e
mulheres a perceber o mundo como um contêiner
cheio de objetos descartáveis, objetos para uma utilização; o mundo inteiro -
inclusive outros seres humanos. Mesmo um pequeno problema pode causar a ruptura
de parceria; desacordos triviais se tornam conflitos amargos, pequenos atritos
são tomados como sinais de incompatibilidade essencial e irreparável.
Pierre Bourdieu mostra a
ligação entre o colapso da confiança e o enfraquecimento da vontade de
engajamento politico e ação coletiva: a capacidade de fazer projeções para o
futuro, sugere, é a conditio sine qua non de todo pensamento
"transformador" e de todo esforço de reexaminar e reformar o estado
presente das coisas - mas projeções sobre o futuro raramente ocorrerão a
pessoas que não têm o pé firme no presente.
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