sábado, 19 de maio de 2018

Azul é a cor mais quente VS Carol

Alguns anos se passaram desde o lançamento dos filmes 'Carol' e 'Azul é a cor mais quente', mas ainda vejo pessoas fazendo comparações, e normalmente é pra tocar o pau no segundo e enaltecer o primeiro. Então resolvi dar a minha opinião, porque não tenho nada melhor para fazer (na verdade tenho, mas estou procrastinando). Vale lembrar, no entanto, que não sou expert em cinema, ou seja, a base deste post é tão somente minha experiência como espectadora.
Vamos começar pela maneira como as histórias são contadas. Em 'Azul' (vou chamar assim pra abreviar), o diretor usa os enquadramentos com o propósito de aproximar o espectador da cena. A impressão é que você está dentro da história, passivamente participando da jornada de Adéle. Esse sentimento de imersão ajuda na conexão com os personagens, facilitando a empatia e aumentando o impacto emocional que o filme tem. 
As escolhas de áudio também facilitam a imersão, já que a trilha sonora inteira do filme consiste em músicas que tocam "dentro da cena", privilegiando o som de ambiente. 
Em Carol, por outro lado, tive a sensação constante de que estava a milhas de distância da história. A direção de fotografia me deu a sensação de estar mais preocupada com a estética do que com o propósito da iluminação e dos enquadramentos, constantemente meio fora de foco ou longe dos acontecimentos. 
Em relação ao áudio, lembro de ter gostado da trilha sonora, mas ao mesmo tempo ter desgostado as longas transições musicais entre uma cena e outra. Quando finalmente as transições acabavam e a cena em si acontecia, os diálogos eram curtos, apagados e frustrantes, com pouca emoção.
Em contrapartida, 'Azul' tem diálogos mais naturais, com momentos de raiva, tristeza, medo, e até o desconforto e nervosismo que se passa quando você está conversando com a crush pela primeira vez. A sensação que eu tinha ao ver Adéle interagindo com as pessoas ao seu redor era de que eu estava acompanhando algo real, verossímil. A atriz, até então não muito conhecida, se entregou para o papel de corpo e alma, e a intensidade de sua performance é inegável.
Em Carol, a personagem principal é interpretada por Ronney Mara, mas por algum motivo a indicação ao Oscar de atriz principal foi para Cate Blanchett, o que me fez questionar se a Academia realmente assistiu o filme.  Apesar de Ronney ser dona do meu coração desde que interpretou a Lisbeth Salander (♥), como Therese ela me pareceu apática. Aliás, não só ela como também a própria Cate, que mais uma vez interpretou uma mulher elegante, rica, bela e intimidadora (ou seja, ela mesma). Isso me aborreceu bastante justamente por eu esperar bastante do filme. Houve momentos chave, como a cena final, em que a o impacto emocional da cena perdeu força por causa do constante ar blasé das atrizes.
Por outro lado, a atuação coadjuvante de Léa Seydoux em 'Azul' mostrou a versatilidade da atriz. Isso tão é verdade que tem gente que até hoje não percebeu que a bondgirl e a Emma são a mesma pessoa. Emma é a personalidade 'butch' do casal, e isso causou alguma controvérsia, já que, em tese, Adele e Emma seriam um casal gay com uma dinâmica heteronormativa. Contudo, não podemos ignorar que existem casais que correspondem à realidade do filme, assim como existem casais que correspondem à realidade de Carol. Negar isso seria uma forma de exclusão, como se só fossem suficientemente gays os casais entre duas femmes. 
Finalmente, gostaria apontar para o fato de que o público brasileiro, assim como o público de vários outros países, foi educado na base do cinema americano. Apesar da Terra do Tio Sam contribuir muito para a minha listinha no Netflix, é bem verdade que eles tem uma censura exagerada em relação a cenas de sexo, enquanto a violência é explícita e desejada. Não é a toa que, quando 'Carol' apareceu com suas cenas subentendidas, seu ângulos obscuros e suas interações deixadas pela metade, todo mundo correu para o aplaudir por sua delicadeza. Enquanto isso, o pessoal que se julga tão independente e mente aberta, não soube lidar com as cenas de sexo de 'Azul é a cor mais quente'. As cenas, que claramente tem um papel dentro da narrativa (possuindo frames bem parecidos com alguns quadros da Novela Gráfica, criada pela lésbica Julie Maroh, e sim, eu sei que ela também fez algumas críticas ao filme), foram reduzidas a fetiche de macho. Uma ironia, na minha opinião: as pessoas que tanto falam a favor da liberdade de se mostrar, dos direitos LGBTQ+ etc.,  foram as primeiras a se envergonhar e se horrorizar quando um casal gay apareceu em uma cena de sexa mais demorada e explícita que o padrão americano. As desculpas são muitas, e incluem até críticas às posições sexuais adotadas pelas personagens (porque aparentemente existe um manual de regras de como lésbicas devem fazer sexo, e se você sair fora do padrão é porque está tentando ser fetiche de macho). 
Enfim, acho que já falei demais, então vou cortar para a conclusão logo. Fui com sede ao pote para assistir 'Carol'  e acabei achando o filme morno. Já  'Azul é a cor mais quente', achei poderia ter incorporado algumas partes críticas do quadrinho original, mas, se considerar o filme isoladamente, é uma experiência intensa.  Por fim, também acho que o público precisa diversificar a nacionalidade na hora de assistir filmes, para não acabar caindo no hábito de julgar tudo segundo o padrão americano (que as vezes é ótimo, mas as vezes é previsível com ascendente em pretensioso).