"Só mais um ano e estarei em Hogwarts." Dorothy Magno comemorou mentalmente enquanto encarava as dez velinhas fumegantes no topo do bolo de morango. Sua prima Rose empunhou a varinha e, após meia dúzia de floreios, as velas haviam desaparecido e o bolo restava perfeitamente fatiado.
— O primeiro pedaço vai para a aniversariante. — Rose sorriu e levitou uma fatia, conduzindo-a ao pratinho descartável.
Rose era, de longe, a prima mais doce de Dot. Talvez seu trabalho como medibruxa a tenha afastado um pouco da dureza tão característica dos Magno.
Rose era, de longe, a prima mais doce de Dot. Talvez seu trabalho como medibruxa a tenha afastado um pouco da dureza tão característica dos Magno.
— Um pedaço para minha querida irmã, Rachel. — Rach curvou os lábios num sorriso anêmico e estendeu o prato.
Então Rose saiu a andar pela mansão Magno, distribuindo fatias de bolo para os muitos primos e tios de Dorothy. Já a aniversariante permaneceu sentada no carpete da sala, diante da mesinha de centro. Forrou as bochechas sardentas com bolo e ainda o mastigava quando lhe ocorreu: "Tenho dez anos... Já sou praticamente madura! Hora de começar a obter minhas respostas."
— Rachel. — Dorothy começou a falar com a boca cheia e a voz abafada.
— Uhm? — A prima encarou-lhe com os tristonhos olhos cor-de-azeitona.
— Tá na hora de vocês pararem de me enrolar. Quero que me contem como eu nasci. — Dot pontuou a frase dando um ruidoso gole no chá gelado.
Uma ruga surgiu entre as sobrancelhas de Rachel, cujo semblante tinha, ao mesmo tempo, traços de irritação e divertimento.
— Pois bem. — Deu uma garfada no bolo e o saboreou demoradamente. Precisava ganhar tempo.
— Sim? — Arquejou Dorothy, esfregando o guardanapo no rosto com um vigor desnecessário.
— Existe esta poção... Chama-se poção da fertilidade. É uma mistura que contem raspa de chifre de unicórnio, uma gota de sangue de cada pai, um pedaço de guelricho para que o bebê consiga respirar na barriga da mãe, um pedaço de rabo de lagartixa e, se você quiser que seu filho seja bem apessoado, uma mecha de cabelo de veela. — Terminou de explicar solenemente.
No momento em que Rose voltou a se aproximar, Dorothy parecia muito concentrada em anotar algo e fazer contas nos dedos. Tinha um plano e aquela receita certamente a ajudaria a executá-lo.
✤
Era uma segunda-feira chuvosa e Dorothy estava sentada aos fundos da classe trouxa de matemática. Ela fingia tomar nota da matéria, mas, na verdade, estava rabiscando caricaturas bastante perturbadoras. Não era a primeira vez que fazia isso. No ano anterior, tivera um de seus "projetos artísticos" apanhado pela professora, que reagiu de forma extremamente histérica - ao menos na percepção de Magno. Dot, por sua vez, nada fez além de estender um de seus olhares presunçosos. Se achava melhor que todas as crianças trouxas... Todas, exceto Skylar.
— DOROTHY! — A voz estridente da Sra. Prescott espetou-lhe os tímpanos.
— O que? — A menina resmungou com sua voz arrastada e cheia de má-vontade.
Então a aluna desviou o olhar do desenho e deu de cara com a cabeça lustrosa do diretor. Ele jazia parado na porta, segurando a maçaneta com força e batucando o pé contra o chão. "E lá vamos nós de novo." Pensou ela.
Ninguém pareceu surpreso quando a menina sardenta desapareceu da sala de aula, escoltada pelo careca carrancudo.
✤
A diretora estava sentada do outro lado da escrivaninha de madeira amêndoa. Por algum motivo, a mulher trouxa nada fez além de suspirar irresignada e encarar Dot.
— Então, por que estou aqui? — A bruxa indagou pela milésima vez.
— Apenas esper...
— Esperar o que? Mas que inferno! — Esmurrou o apoio braçal da cadeira, fazendo a diretora trouxa arreganhar a boca, pronta para dar um sermão.
— Cheguei. Desculpe-me a demora. — A voz monótona veio das costas de Dorothy.
Ao se virar, a jovem Magno confirmou sua suspeita: chamaram logo Rachel para conversar sobre o caso.
— Sem problemas, Srta. Rachel. Então vamos começar. — A diretora empertigou-se na cadeira de couro gasto e limpou a garganta.
— Creio que seja do seu conhecimento que Dorothy não é lá a aluna mais diligente. — Fez uma pausa, mas como não obteve resistência, continuou. — Porém, apesar da insolência, evitamos tomar grandes providências considerando que, no fim das contas, suas notas e seu aprendizado são relativamente satisfatórios...
— E o que mudou agora? — Rachel atalhou a conversa. Seus dedos tamborilavam nervosos e os olhos verdes consultavam o relógio de segundo em segundo.
— O que mudou agora foi que Dorothy deixou de ser simplesmente insolente e passou a ser agressiva! — A voz foi se tornando mais estridente com o progredir da frase.
"Será que ela ficou brava por causa de mim ou por causa da falta de reação da Rach?" Dot coçou o queixo.
— Ontem, durante o recreio, Dorothy esmurrou o nariz da Srta. Skylar Smith, tirou um frasco da bolsa e coletou as gotas de sangue que caíram no chão! — As palavras continuaram a fluir da boca enrugada da professora, que agora começava a ficar vermelha. — Quando questionamos o porquê de tal conduta perturbadora, a Srta. Magno disse que precisava de uma amostra para fazer um filho com a pobre Skylar!! — Respirou fundo e aproveitou a pausa para beber um gole d'água.
Rachel manteve seu constante ar Monalístico (uma mistura de seriedade, tédio e escárnio) durante toda a narrativa:
— Você não deveria ter batido na menina, Dot. — Murmurou com a voz invariável.
— E tentar ter um filho... Com outra menina! — A diretora reforçou, ao que Rachel estreitou os olhos.
— Não se preocupe. Trocarei Dorothy de escola. — A voz da Magno mais velha assumiu um tom surpreendentemente vigoroso.
— Bem, eu estava pensando em suspensão. Você não precisa ir tão longe e troc... — A outra mulher gaguejou, só para então ser brutalmente interrompida.
— Você não entendeu. Sou responsável por minha prima. Não posso permitir que ela seja educada numa instituição preconceituosa que se assombra mais com a homossexualidade do que com um ato de violência. — Rachel Magno se levantou sem mais delongas, sinalizou para que Dorothy fizesse o mesmo e deixou para trás uma trouxa incrédula e esbravejante.
✤
✺ Dot Magno nunca mais foi vista nas dependências de uma escola trouxa.
✺ Skyler nunca tomou conhecimento das intenções passionais de Dorothy.
✺ A teoria da Poção da Fertilidade só foi desmentida um ano depois, quando Dorothy voltou a tentar esmurrar um bebe do nariz de uma de suas paixões. Rose deu um sermão tanto em Dot quanto em Rachel.
✺ A teoria da Poção da Fertilidade só foi desmentida um ano depois, quando Dorothy voltou a tentar esmurrar um bebe do nariz de uma de suas paixões. Rose deu um sermão tanto em Dot quanto em Rachel.