sexta-feira, 27 de julho de 2018

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O CASO DE JULIO COCIELO

Liberdade de expressão VS Popularidade de Opinião
Durante a Copa do Mundo o youtuber Julio Cocielo postou o seguinte tweet
Mbappé conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein
O tweet repercutiu negativamente pela significação racista, levando os internautas a encontrar mais postagens preconceituosas feitas por Cocielo. Outras pessoas famosas, como Cauê Moura e Bruno Gagliasso, também tiveram postagens desenterradas e julgadas pela internet. 
A reação da internet, por sua vez, fez com que surgisse a velha discussão do "politicamente correto". Durante essas discussões, sempre vejo comediantes e demais pessoas da indústria do entretenimento se defendendo sob o argumento da liberdade de expressão. No entanto, acho que este argumento falha em considerar três coisas:
  1. Você tem liberdade para dizer o que quer, mas a pessoa que consome seu conteúdo ou lê suas postagens também tem.
  2. Liberdade de expressão significa não ser impedido de se expressar; não significa imunidade à crítica.
  3. Liberdade de expressão é diferente de popularidade de opinião
Assim, por exemplo, no caso de Julio Cocielo ele não foi punido porque se expressou livremente, mas sim porque ele escolheu dizer algo que o tornou impopular. As marcas que rescindiram contrato com o youtuber o fizeram não porque desejam que ele não mais expresse suas ideias, mas sim porque marcas querem se associar a pessoas populares vistas positivamente pelo público. Não se trata de censura, trata-se do mercado dizendo ao Cocielo a mesma coisa que ele diz para todos: se você não oferece algo que queremos, não vamos lhe dar mais dinheiro. 
Idade e Responsabilidade
Outro argumento normalmente levantado é a questão da idade. Um exemplo disso é o youtuber americano RiceGum, que aos 18 anos de idade, durante uma live na Twitch, perguntou a uma moça se foi bom ser estuprada ("But did it feel good tho?"). Vários comentaristas alegaram que o americano era jovem demais para entender a gravidade do que disse, e que pessoas jovens fazem coisas idiotas. Ainda assim, não se pode olvidar que RiceGum era velho o suficiente para ser preso pelo crime de estupro, o que implica dizer que a sociedade espera que ele, aos 18 anos, seja plenamente capaz de entender a gravidade de conduta. E se ele é capaz de entender o quão perturbador é alguém estuprado, presume-se que ele saiba que fazer piada com uma vítima na frente de milhares de crianças influenciáveis é algo extremamente insensível e errado.
No Brasil, várias pessoas também se referiram a Cocielo como menino (vide o Vídeo da Ilha de Barbados sobre o tema), a despeito de ser um homem de 25 anos (e não, eu não acho que o caso de Cocielo e RiceGum são equivalentes, só os equiparei em razão do argumento de defesa). Ser adulto tem vantagens, como ser livre para contratar com grandes empresas e se tornar independente; mas também tem ônus, como se responsabilizar por aquilo que é dito a milhões de pessoas. 
Outra coisa que não exime ninguém de responsabilidade é a questão dos haters. Sim, tem gente que já odiava o Cocielo, o RiceGum, o Cauê Moura e etc. Essas pessoas só estavam esperando uma oportunidade para racionalizar um ódio até então imotivado. Contudo, o fato de existirem haters prontos para botar lenha na fogueira não significa que a atitude criticada deixa de ser errado e que toda e qualquer crítica é somente motivada por implicância.
Atitudes Isoladas
Sou da opinião de que existem diferenças entre atitudes isoladas e uma existência inteira. Se alguém faz algo de errado uma vez, a atitude da pessoa deve ser condenada, a pessoa deve sofrer consequencias proporcionais ao erro e buscar crescer. No entanto, se julgamos a existência inteira de pessoa, desconsiderando as coisas boas que ela fez. Isso é desproporcional e, portanto, injusto. Alguém que comete os mesmos erros sistematicamente, pautando toda a sua vida em ideais preconceituosos, é diferente de alguém que fez colocações insensíveis e preconceituosas em situações isoladas: jogar esses dois tipos de pessoa no mesmo saco não me parece razoável. Até porque, dizer que alguém é irremediavelmente racista com base em algumas atitudes, é dizer que não há nada que aquela pessoa possa fazer para se redimir. Isto significa dizer que não há potencial para melhora. Se não há potencial para melhora e evolução, não há razão de ser para crítica, afinal toda crítica genuína tem como objetivo uma mudança em prol de melhora. 
Desenterrar Postagens Antigas
Minha opinião sobre desenterrar postagens antigas é bem simples: eu discordo. Se até mesmo o Código Penal prevê um prazo prescricional que torna impossível punir certos crimes após o decurso de alguns anos, por que a internet se acha no direito de fazer julgamento retroativo e esperar que a versão passada das pessoas seja tão evoluída quanto a versão presente?
Você Não Está Entre Amigos
O último prisma que quero abordar é o fato de muitas pessoas alegarem, ao defender suas piadas insensíveis, que todo mundo diz coisas de mal gosto entre amigos. Sendo assim, ninguém teria moral para criticar o coleguinha, certo? Errado. Você não está (só) entre amigos na internet: está exposto ao mundo inteiro, especialmente se você é um digital influencer ou uma pessoa pública em geral. Quando você está falando com seus amigos pessoalmente, eles entendem a sua entonação, sabem da sua história, do seu senso de humor: a mensagem distorcida por trás da piada de mal gosto imediatamente perde força. Contudo, na internet você está falando com pessoas de todas as ideologias e capacidades de compreensão, então melhor adaptar seu discurso se não quiser ser o próximo a ter que apagar milhares de tweets antigos. 

domingo, 17 de junho de 2018

BRASIL VS SUÍÇA


Vou reclamar sobre o jogo aqui, porque o twitter não tem caractere suficiente:
  • Brasil fez um gol e se acomodou;
  • Neymar demora para tocar a bola;
  • Brasil levou um gol, fruto de empurrão no zagueiro; 
  • O árbitro de vídeo coçando o saco;
  • Tite colocou Renato Augusto, semi-bixado, no jogo e deixou o Douglas Costa no banco;
  • Se desesperou e começou a fazer o que esteve adiando desde o primeiro gol;
  • Gabriel Jesus sofreu pênalti claro e o árbitro de vídeo, de novo, coçando o saco;
  • Gente chata no twitter agindo como se todos os problemas do Brasil viessem da copa... O brasileirão, o netflix, o youtube e todos os outros meios de entretenimento (preferencialmente os que vêm da gringa) são aceitáveis, mas assistir a seleção brasileira não é.
  • Eu me iludindo pela milésima vez e achando que o Brasil vai colocar goleada, pra no fim quebrar a cara.

sábado, 19 de maio de 2018

Azul é a cor mais quente VS Carol

Alguns anos se passaram desde o lançamento dos filmes 'Carol' e 'Azul é a cor mais quente', mas ainda vejo pessoas fazendo comparações, e normalmente é pra tocar o pau no segundo e enaltecer o primeiro. Então resolvi dar a minha opinião, porque não tenho nada melhor para fazer (na verdade tenho, mas estou procrastinando). Vale lembrar, no entanto, que não sou expert em cinema, ou seja, a base deste post é tão somente minha experiência como espectadora.
Vamos começar pela maneira como as histórias são contadas. Em 'Azul' (vou chamar assim pra abreviar), o diretor usa os enquadramentos com o propósito de aproximar o espectador da cena. A impressão é que você está dentro da história, passivamente participando da jornada de Adéle. Esse sentimento de imersão ajuda na conexão com os personagens, facilitando a empatia e aumentando o impacto emocional que o filme tem. 
As escolhas de áudio também facilitam a imersão, já que a trilha sonora inteira do filme consiste em músicas que tocam "dentro da cena", privilegiando o som de ambiente. 
Em Carol, por outro lado, tive a sensação constante de que estava a milhas de distância da história. A direção de fotografia me deu a sensação de estar mais preocupada com a estética do que com o propósito da iluminação e dos enquadramentos, constantemente meio fora de foco ou longe dos acontecimentos. 
Em relação ao áudio, lembro de ter gostado da trilha sonora, mas ao mesmo tempo ter desgostado as longas transições musicais entre uma cena e outra. Quando finalmente as transições acabavam e a cena em si acontecia, os diálogos eram curtos, apagados e frustrantes, com pouca emoção.
Em contrapartida, 'Azul' tem diálogos mais naturais, com momentos de raiva, tristeza, medo, e até o desconforto e nervosismo que se passa quando você está conversando com a crush pela primeira vez. A sensação que eu tinha ao ver Adéle interagindo com as pessoas ao seu redor era de que eu estava acompanhando algo real, verossímil. A atriz, até então não muito conhecida, se entregou para o papel de corpo e alma, e a intensidade de sua performance é inegável.
Em Carol, a personagem principal é interpretada por Ronney Mara, mas por algum motivo a indicação ao Oscar de atriz principal foi para Cate Blanchett, o que me fez questionar se a Academia realmente assistiu o filme.  Apesar de Ronney ser dona do meu coração desde que interpretou a Lisbeth Salander (♥), como Therese ela me pareceu apática. Aliás, não só ela como também a própria Cate, que mais uma vez interpretou uma mulher elegante, rica, bela e intimidadora (ou seja, ela mesma). Isso me aborreceu bastante justamente por eu esperar bastante do filme. Houve momentos chave, como a cena final, em que a o impacto emocional da cena perdeu força por causa do constante ar blasé das atrizes.
Por outro lado, a atuação coadjuvante de Léa Seydoux em 'Azul' mostrou a versatilidade da atriz. Isso tão é verdade que tem gente que até hoje não percebeu que a bondgirl e a Emma são a mesma pessoa. Emma é a personalidade 'butch' do casal, e isso causou alguma controvérsia, já que, em tese, Adele e Emma seriam um casal gay com uma dinâmica heteronormativa. Contudo, não podemos ignorar que existem casais que correspondem à realidade do filme, assim como existem casais que correspondem à realidade de Carol. Negar isso seria uma forma de exclusão, como se só fossem suficientemente gays os casais entre duas femmes. 
Finalmente, gostaria apontar para o fato de que o público brasileiro, assim como o público de vários outros países, foi educado na base do cinema americano. Apesar da Terra do Tio Sam contribuir muito para a minha listinha no Netflix, é bem verdade que eles tem uma censura exagerada em relação a cenas de sexo, enquanto a violência é explícita e desejada. Não é a toa que, quando 'Carol' apareceu com suas cenas subentendidas, seu ângulos obscuros e suas interações deixadas pela metade, todo mundo correu para o aplaudir por sua delicadeza. Enquanto isso, o pessoal que se julga tão independente e mente aberta, não soube lidar com as cenas de sexo de 'Azul é a cor mais quente'. As cenas, que claramente tem um papel dentro da narrativa (possuindo frames bem parecidos com alguns quadros da Novela Gráfica, criada pela lésbica Julie Maroh, e sim, eu sei que ela também fez algumas críticas ao filme), foram reduzidas a fetiche de macho. Uma ironia, na minha opinião: as pessoas que tanto falam a favor da liberdade de se mostrar, dos direitos LGBTQ+ etc.,  foram as primeiras a se envergonhar e se horrorizar quando um casal gay apareceu em uma cena de sexa mais demorada e explícita que o padrão americano. As desculpas são muitas, e incluem até críticas às posições sexuais adotadas pelas personagens (porque aparentemente existe um manual de regras de como lésbicas devem fazer sexo, e se você sair fora do padrão é porque está tentando ser fetiche de macho). 
Enfim, acho que já falei demais, então vou cortar para a conclusão logo. Fui com sede ao pote para assistir 'Carol'  e acabei achando o filme morno. Já  'Azul é a cor mais quente', achei poderia ter incorporado algumas partes críticas do quadrinho original, mas, se considerar o filme isoladamente, é uma experiência intensa.  Por fim, também acho que o público precisa diversificar a nacionalidade na hora de assistir filmes, para não acabar caindo no hábito de julgar tudo segundo o padrão americano (que as vezes é ótimo, mas as vezes é previsível com ascendente em pretensioso).