sábado, 7 de agosto de 2021

Angelina Jolie sobre Gia Carangi: como interpretar a modelo impactou a atriz.




     Quando eu decidi streamar o filme Gia, há alguns anos, minha motivação era tão somente assistir minha atriz favorita (Angelina Jolie) interpretando uma modelo lésbica futurista, sapatona convicta, eu não vou deixar a inveja me ab.... Anyways...

     Tal é o destino que, após terminar o filme, fiquei impactada e acabei acrescentando a própria Gia Carangi (a real) à lista de mulheres das quais sou cadelinha.

     Por consequência, durante anos eu naveguei por sites, fóruns e afins e, apesar de encontrar bastante informação sobre a supermodelo, nunca tinha encontrado nada a vindo da própria Angelina. Apenas teorizava, como a especialista em Jolie que sou, que interpretar Carangi provavelmente tinha afetado Angie em razão da similaridade entre as personalidades. 

     Pois bem, anos após rodar a internet feito barata tonta, finalmente encontrei o capítulo de um livro biográfico com citações de entrevistas com a Angelina, na qual muitas as minhas teorias e intuições de expert foram confirmadas. Como não sei se esse capítulo existe em português, resolvi traduzí-lo e postar aqui. Espero que gostem.


Trechos extraídos e livremente traduzidos do capítulo "Star is Born", do livro "Angelina Jolie: A Biography", por Kathleen Tracy


     Mais de duzentas atrizes fizeram audições para o papel, incluindo Jolie. Surpreendentemente, Angelina não estava particularmente entusiasmada com a perspectiva de ser selecionada, com medo de que a "enlouqueceria ser tão aberta. Eu não queria fazê-lo. Eu não queria ir para aquele lugar. Era uma história tão pesada e lida com tantas questões. Se feito errado, poderia ter sido muito ruim e não ter dito as coisas certas, e poderia ter sido muito apelativo."

     O que convenceu Cristofer a escolher Jolie foi uma essência que ela compartilhava com Gia. "Angelina é provavelmente uma pessoa tão aventureira quanto Gia de muitas formas, mesmo não cedendo a todos os impulsos". Cristofer disse com diplomático eufemismo. "E ela tem a qualidade a qual me disseram que Gia tinha — inocência e vulnerabilidade penetrantes, as quais eu acreditava serem qualidades que das quais desesperadamente precisamos. Nas mãos da atriz errada, eu acho que Gia poderia ser uma pessoa que você não gostaria de conhecer."

     No entanto, Angelina não estava tão certa de que queria aceitar o papel. "Tinha muito na história com o que eu me identificava, então eu não queria meter o dedo. Gia foi emocional e literalmente abusada, mas ela tinha um fogo pela vida e pelo amor por mulheres". Ademais, Jolie se identificou com a dificuldade que Gia teve em se encontrar e lidar com a dor causada pelas pessoas não entendendo seu tipo particular de loucura.


     Mas no final, ela aceitou o desafio. "Gia tinha semelhanças tais comigo que eu achei que isso ou iria purgar todos os meus domônios, ou iria realmente mexer comigo." Jolie comentou. "Eu odeio heroína porque eu fui fascinada por aquilo. Eu não sou imune, mas não uso mais porque, por sorte, encontrei algo que substitui aquela sensação: o meu trabalho. E, provavelmente porque eu não queria o papel, porque eu estava com medo de onde iria me levar, os produtores sabiam que eu era a escolha certa".

     A primeira introdução de Jolie a Gia foi uma entrevista de 1983 (acho que a autora errou e a entrevista é de 1982, mas enfim...) na qual uma obviamente chapada Gia insiste estar sóbria. "Eu odiei ela," Angelina diz. "Eu não acreditei em uma palavra que ela estava dizendo e foi realmente difícil de assistir. Simplesmente triste." 


Contudo, quando ela viu algumas outras gravações de Gia, a opinião de Jolie foi suavizada. "Ela estava falando e sendo ela mesma, apenas essa garota normal da Filadélfia, e realmente engraçada e ousada e eu me apaixonei por ela," Jolie disse. "Eu acho que no fundo ela era uma pessoa boa que queria ser amada. Ela tinha um grande coração e um grande senso de humor e só queria mais animação."


     Enquanto ainda existem tantos atores que acham que interpretar um personagem gay vai afetar negativamente suas carreiras, Mitchell diz que realmente gostou de interpretar a namorada ficcional de Jolie. "Nós fizemos essa cena de amor na cama, onde a gente estava rindo tanto que a gente estava tremendo, a cama inteira estava tremendo," Elizabeth relembra. "O diretor estava gritando 'Parem! Parem!'". Sobre Jolie, Mitchell acrescentou, "Ela é real. Ela não se montou no cirurgião plástico. Ela é essa força da natureza. Ela é uma tempestade de fogo".

     Jolie estava igualmente sossegada com as cenas de sexo e comentou, "Pessoas ficam perguntando, 'Como foi dormir com uma mulher?' Foi bom, foi agradável. Qual o problema?" Ela minimiza a aparência física, dizendo "Eu realmente não vejo qualquer coisa física como importante. Quer dizer, eu não vejo mulher, homem, preto, branco. Eu não vejo uma pessoa com deficiência; Eu vejo a pessoa. Eu vejo a aura, a energia". 

     Gravar o filme foi uma experiência emocionalmente desgastante para Angelina, embora, de alguma forma, também tenha sido cartártico. "Eu me identifiquei muito com ela" Jolie diz. "Ela é o personagem mais próximo a mim que eu já interpretei. Mas de uma maneira estranha, interpretar Gia tornou possível para mim nunca me transformar nela... Eu sou capaz de botar tudo pra fora, ela não era".

     A colega de filmagem, Mercedes Ruehl diz que durante a filmagem a "cortesia de Angelina nunca falhava. Ela sempre era pontual, sempre preparada para algo emocionalmente pesado. Nenhum ator consegue entregar cena após cena sem ter um background técnico muito bom".

     De longe, as cenas mais difíceis do filme para Jolie e os colegas de cena foram aquelas nas quais Gia está morrendo, sem cabelo e com lesões decorrentes de sarcoma de Kaposi cobrindo seu corpo. Na mente de Angelina, foi com a morte que Gia finalmente encontrou paz. 

     Stephen Fried, que escreveu a biografia de Carangi, não vê o lado bom no fim da vida de Gia, contudo. "Ela não foi uma modelo que tinha alguns problemas. Esta garota não voltou pra Oklahoma e viveu uma vida diferente. Ela morreu," ele enfatizou. "Todo mundo pensa que a pior coisa que pode acontecer se você manda sua filha adolescente para Nova Iorque para ser uma modelo é ela não ter sucesso. A pior coisa que pode acontecer é o que aconteceu com Gia."

           Jolie tinha acabado de ganhar seu Globo de Outo por George Wallace quando Gia estreou na HBO. Ficou claro que Angelina tinha chegado. Ed Martin escreveu no USA Today, "Jolie está deslumbrante como a beleza condenada... Sua performance é notavelmente uma mistura consistente de força de aço e vulnerabilidade paralisante. Jolie expõe a verdadeira razão para a eventual autodestruição de Gia: a dor primorosa de relacionamentos difíceis com sua mãe egocêntrica, Kathleen, e sua amante lésbica frequentemente distante, Linda ... O filme Gia é tão difícil de resistir e tão difícil de encontrar quanto a modelo que lhe deu o nome e a mulher que a traz de volta à vida brevemente".

           O crítico do Los Angeles Times, Don Heckman, também foi efusivo: "Em um papel que a leva por uma montanha russa de emoções, obsessões e vícios, Jolie é convincente, o tipo de performance que se torna o centro de energia e foco de cada cena. Como a personagem que ela interpreta, ela tem a capacidade de ultrapassar o artificio e chegar no coração do drama".

           Michele Greppi do New York Post notou, "com todo respeito aos escritores, produtores e executivos da HBO, boa parte do crédito deve ir a Angelina Jolie. Ela bravamente, e até imprudentemente se joga em cada segundo. Cada momento, cada silêncio, cada lágrima é um desafio a todos ao seu redor para  acompanhá-la. O resultado é inesquecível."

           No fim, Jolie, que tinha inicialmente desgostado de Carangi, terminou sendo seduzida por ela. "Eu gostaria de namorá-la," ela disse à época. "Eu queria ser sua amante. Nas suas fotos, quando ela estava apenas numa boa, ela tinha esse sorrisinho atravessado, e ela parecia selvagem na sua jaqueta de couro. Quando ela estava livre e apenas sendo ela mesmo, ela era inacreditável; essa é a tragédia da história dela. Você pensa, 'Meu Deus, ela não precisava de drogas — ela era a droga'".

           Tão logo sua carreira parecia ter explodido, Jolie contemplava abandoná-la. Embora atores busquem papeis complexos e significativos, pode haver perigo em canalizar emoções obscuras e perturbadoras. Nos meses após o fim da produção de Gia, Angelina se viu a deriva. "Eu estava num lugar da minha vida onde eu tinha tudo o que eu achava que se deveria querer para ser feliz, e eu estava me sentido mais vazia que nunca" Jolie diz. "Eu estava com medo de partir como Gia. Eu precisava me afastar e me encontrar de novo."

           Angelina diz que durante o tour promocional de Gia, ela ia para casa e considerava seu relacionamento, seu casamento e a possibilidade de maternidade, e contemplava se ela seria uma mulher completa. Ela acredita que a origem de sua inquietude foi seu trabalho em Gia. "Eu me tornei exposta ao mesmo tempo que eu estava interpretando um papel sobre alguém sendo exposto. Eu me senti abatida. Ela não me sentia como uma pessoa boa. Eu me sentia má". Adicionando à tensão foi o fato de que seu trabalho em Gia coincidiu com o fim do casamento com Jonny Miller.

           A separação de Miller combinada com o mal estar pós-Gia fez Angelina desistir de atuar, ao menos temporariamente. Ela se mudou para Londres e se inscreveu em na escola de filme da Universidade de Nova Iorque, esperando se reinventar e recomeçar. "Foi bom para mim me afastar depois de Gia, não estar nos holofotes. Ninguém estava me trazendo capuccino de manhã. Eu estava no metrô com uma mochila e ninguém me conhecia."