Recentemente explodiu na internet a notícia sobre o processo, atualmente em trâmite na Suprema Corte de Nova Iorque, em que a cantora Kesha descreve como foi sexualmente, fisicamente e mentalmente abusada por seu produtor, Dr. Luke. O resultado almejado pela cantora é a dissolução do contrato com a Sony. No entanto, o juiz indeferiu o pedido liminar. Tal decisão causou comoção entre fãs e artistas (Kelly Clarkson, Demi Lovato, Lady Gaga, etc).
Quero começar essa postagem esclarecendo que não estou a par de todos os detalhes processuais. Ainda assim, me encontro em posição de rebater alguns comentários extremistas que vi online:
1 - "O juiz está sendo injusto e sexista ao exigir provas do abuso"
A presunção de inocência é elemento presente em qualquer Estado democrático. Segundo a presunção de inocência, se 'A' alega algo sobre 'B', 'A' deve provar. Isto evita que o juiz escolha aniquilar com a vida, liberdade e dignidade de alguém, com base em puro achismo ou antipatia. Assim, por exemplo, se eu decidir que quero ferrar com você - pessoa inocente que está lendo isso - eu posso até ir ao órgão competente e começar a falar um monte de mentiras aleatórias a seu respeito: se eu não posso prová-las, isto de nada adianta.
No caso Kesha, se o juiz realmente não tinha indícios suficientes para conceder a liminar (mais para frente você vai entender o porquê de eu ter grifado este termo), a atitude correta de fato seria indeferí-la, caso contrário estaria abrindo precedente para outras pessoas obterem medidas liminares sem prova que as sustente. Isto é algo bastante grave, em especial considerando que os EUA são país adepto ao Common Law (precedente tem mais força e quantidade que lei).
2 - "Kesha perdeu o processo e foi injustiçada".
AINDA NÃO! Vamos esclarecer uma coisa: liminar é um pedido que você faz no início do processo. É uma forma de proteger um direito ou conquistá-lo com antecedência. Independentemente de a liminar ser concedida, o processo vai continuar. No final, a sentença vai dar um resultado definitivo (apesar de normalmente ser apelável, ao menos no Brasil), que pode confirmar a liminar ou revertê-la.
No caso Kesha, o juiz pode indeferir a liminar agora, mas lá na frente, quando o processo tiver se desenvolvido e as provas (depoimento de testemunhas que a viram no dia, documentos, filmagens de segurança, perícias ou consultas feitas à época, etc) tiverem sido devidamente produzidas, o resultado final pode ser revertido (e aqui eu estou presumindo que o sistema americano é semelhante ao brasileiro).
3 - "Essa história toda vai ficar impune... Mais um caso que deu em nada".
O simples fato de o caso Kesha VS Luke ter causado tanta discussão já é prova do contrário. Eu não sei qual será o resultado final, não conheço a Kesha ou o produtor dela, e não vou agir como se pudesse julgar e tirar conclusões quando eu claramente não estou em condições para fazê-lo.
O que sei é que, a partir desse caso, ficou ainda mais escancarada a necessidade de denunciar, contar às pessoas (prova testemunhal), recorrer às autoridades, e mesmo pagar um médico para fazer uma perícia particular se necessário. No processo, só existem os fatos que podem ser provados. Se queremos combater processualmente condutas nocivas, agressivas, degradantes e machistas, é necessário estar munido das provas.
Além do mais, certamente o tal produtor não vai sair intocado deste escândalo, independentemente do conteúdo da sentença. A simples repercussão entre fãs, mídias e artistas já são suficientes para arruinar com a carreira e imagem do Dr. Luke.
CONCLUSÕES.
• A presunção de inocência não está aí para garantir a impunidade; ela está aí para que pessoas como você e eu não tenhamos nossas vidas arruinadas, do dia para noite, por acusações infundadas de pessoas aleatórias e maldosas. Esta presunção requer que o juiz atue segundo provas, e não com base em achismos. Infelizmente, às vezes, isto pode significar um rigor processual estrito que prejudica quem esteja certo, mas não tem provas para apoiar seus alegações.
• O caso Kesha não está perdido. Eu não sei em que estágio/instância está o processo, mas liminar não é decisão final.
• Já temos uma consequencia positiva advinda desta grande discussão: a conscientização veemente da necessidade de tomar iniciativa logo após o abuso, não ter medo de falar, buscar ajuda e orientação, e tomar todas as atitudes necessárias para esclarecer tais injustiças.