O carnaval acabou semana passada, mas o mimimi sobrevive. Não é de
surpreender, afinal todo fenômeno, evento ou tópico popular sempre acaba tendo o poder de provocar o surgimento de opiniões bem fortes.
As reclamações giram em
torno de variados aspectos, dos mais subjetivos (música, roupas, etc.)
aos mais objetivos (poluição, fazer a rua de urinol, assediar, exagerar no
trago, dentre outras atitudes inconsequentes). As críticas mais relevantes
normalmente recaem sobre condutas pontuais. São coisas que existem em todos os
cantos, mas que você só viu no carnaval, que é quando você sai da sua bolha.
A
minha reação diante de tanta lamentação normalmente é bem pessimista. Isso
porque eu dificilmente acredito que o autor da crítica esteja reclamando de um problema por
estar genuinamente preocupado em resolvê-lo. Tenho pra mim que
essas reclamações todas servem mais pra promover quem reclama do que
para efetivamente discutir soluções para problemas.
O nosso cérebro vive
procurando maneiras de categorizar as pessoas, e o gosto por carnaval (assim como gosto
musical, forma de se vestir, gosto por determinados programas de televisão ou
literatura, etc.) é só mais uma delas. Trata-se mais de um artifício para
auto-promoção, porque a partir do momento em que tu questiona o passa-tempo de
milhares de pessoas e sugere que elas são menos civilizadas por participarem
daquela atividade, tu de certa forma está se colocando num pedestal.
Mas
o problema maior sequer reside na atitude em si. O perigo está nas coisas que deixamos "de lado" para ficar batendo boca sobre isso.
Quantas
vezes você já não leu alguém falando que BBB aliena? Aliás, o assunto está em vias de se tornar tabu na comunidade das pessoas intelectuais e muito profundas. Como sabemos muito bem, tudo que é tido como tabu/polêmica vira tópico frequente na língua do povo. Então lá
vamos nós discutir se BBB aliena ou não. Enquanto nos envolvemos com este debate,
independentemente de sermos contra ou a favor, outros assuntos deixam de ser
discutidos. Então cria-se uma contradição: ao mesmo tempo em que você acha que está
alertando as pessoas sobre a alienação causada por um reality show, você está
fomentando uma discussão que vai roubar a atenção de outros debates e assuntos. Para que falar sobre operação lava jato quando podemos criar textos imensos sobre
um programa que está no ar há 15 anos e provavelmente vai continuar sendo
transmitindo, quer você goste ou não?
Recentemente eu liguei a televisão no jornal local e assisti a cobertura de um
protesto. O evento consistia basicamente num grupo de religiosos se voltando
contra a exibição do filme “50 tons de cinza” no cinema da cidade. Ora, essas
pessoas podiam se preocupar com a saúde, com a educação, com o fato de os
parlamentares e magistrados recentemente terem votado o aumento de seus salários, e com as
medidas controversas de governo tomadas pelo Governador (Sartori). Ao invés
disso, estava o grupo a impor seu gosto sobre um grupo restrito de
espectadores, ao invés de lutar por interesses universais.
O
objetivo desse texto não é defender determinadas formas de entretenimento ou
atacar um governo ou outro. O que eu quero dizer é que há uma série de questões
social e politicamente relevantes sendo negligenciadas, porque as pessoas estão
ocupadas demais levantando bandeira para defender marcas, artistas, livros,
programas... Enfim, coisas e pessoas que se prestam a entreter ou servir, e que
podem muito bem ser simplesmente ignoradas caso sejam julgadas desagradáveis. Nós
somos passivos com o que importa, e agressivos com questões de gosto pessoal.
Julgamos as pessoas por gostarem de um gênero musical, e não por suas atitudes
e qualidades reais. Enfim: desaprendemos
a escolher nossas lutas.